O colega do lado
ESTÁ MUITO BOM, VALE MESMO A PENA LER!!!!!
"O colega do lado" por Maria João Lopo de Carvalho - texto publicado à tempos no Expresso
Gramamos a família porque a hereditariedade nos impõe, gramamos o
marido (ou a mulher) porque o escolhemos de livre vontade, mas
gramamos os colegas de trabalho porque nos calham na rifa e temos de
levar com eles em cima, a bem ou a mal, na melhor das hipóteses, oito
horas por dia. Ou seja: a família, quando muito, aos domingos e
feriados; o marido e os filhos, duas, três horas por dia, no máximo
metade das quais a ver televisão ou a partilhar tarefas domésticas);
e os outros, para os quais não fomos ouvidos nem achados, dispõem de
mais tempo e de mais espaço do que toda a nossa vida somada. É com eles
que rimos, choramos, que nos irritamos, que amuamos, que lixamos ou
somos lixados, que vamos à bica e às compras, é a eles que avaliamos,
que ajudamos, são eles os nossos carrascos e cúmplices, os nossos
amigos ou pior, os nossos principais inimigos. É no trabalho, acho eu, que
revelamos as nossas grandes capacidades e virtudes, mas também, e como
há tempo para tudo, o pior que o ser humano tem: a inveja, o rancor, a
gula (roubo todas as caixas de chocolates onde os meus olhos vão
parar), a vaidade, a intriga, o orgulho, a luxúria (enfim, todos sabem
como e porquê. "Ai, você hoje está linda...", "Acha dr.?", "Não acho,
tenho a certeza, brilha como a lua"). O ambiente de trabalho é assim,
muitas vezes, uma impiedosa arena do circo romano onde se mata quem é
fraco, sobrevive quem é forte. É esta a tragédia da questão.
Competitividade e matança são armas letais de significado idêntico -
desafie-se o poder! Mas como perder ninguém quer, ligamos a competição
à ambição (a longo prazo) e à ganância (a curto prazo), tudo em
circuito fechado, para que a via-sacra da matança seja forte demais e
excitante demais para a conseguirmos abafar. (...) Há sempre um gajo
porreiro em que nos escudamos e que, de facto, não nos quer tramar às
primeiras; um gajo que tem dias e que ora amanteiga para direita, ora
a manteiga para a esquerda - é o gajo que quando a coisa corre bem foi
ele próprio que a fez (é "muita bom"), quando corre mal, fomos nós,
pobres inexperientes e ele até se fartou de nos avisar, infelizmente
não acreditámos no seu teatro. Adoro a tribo dos manteigueiros
frenéticos: aqueles que só saem depois do chefe nem que fiquem a jogar
paciências no computador, que nos desfazem em strogonof pelas costas,
que controlam as nossas entradas e saídas de cena, bichanam com os seus
superiores e ajustam contas com as secretárias e o pessoal, a quem com
tanta alma chamam "menor", baralhando sem pudor humilhação com
humildade. Prefiro o folclore dos que gritam como ovelha a ser degolada
mas que depois se redimem ao acrescentarem uns parágrafos triunfais na
"porra" do dossiê. Nós os portugueses adoramos reunir. Podemos não
fazer a ponta de um corno, mas reunir tem de ser. Basta reunir e já
está! Não é nunca o ponto de partida, é sempre o ponto de chegada. E
antes de reunir gostam de planear a estratégia para tramar o parceiro.
Pode não haver estratégia para mais nada, mas para tramar o colega do
lado aqui vai disto. Agressividade quanto baste é a metodologia odeio
esta palavra) para chegar ao poder. Todos conhecem a cartilha, a cru
ou disfarçada de fada boa.
Em suma, os portugueses acham que para serem melhores têm de arranjar
alguém para mau da fita, é a teoria dos vasos comunicantes em todo o
seu esplendor.
É com "vasos" destes - que à partida não são nem amigos, nem filhos,
nem marido, nem sequer os escolhemos num menu - que temos de partilhar
o cheiro, a voz, e o génio; das ramelas, à barba por fazer; das malhas
na meia ao rímel esborratado, todas as horas, todos os dias, todos os
anos. É tudo uma questão de "ambiente" no trabalho!